quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Reflexão para um ano que agoniza em pleno corredor do calendário

 

 

Tem doença que mata e doença que maltrata. Tem a que maltrata e não mata e a fatal, definitiva, que mata sem maltratar. Tem ainda as mais cruéis, que matam devagarinho, por gosto de maltratar.

Doença de qualquer tipo a gente não quer passar. Mas, sendo que não tem jeito, se desse para escolher, cada um pensa dum jeito, prefere a morte ou sofrer. Uns querem a morte súbita, liquidar logo a fatura. Outros pedem a doença crônica, que arrasta sua asa negra no diário desconforto que transforma o organismo num estorvo requintado, dolorido e repisado.

Mas, seja qual for, a escolha pode ser contrariada. Quem tem saúde já sabe que essa alta é provisória e que um dia chega a hora de baixar enfermaria. Quando adoece, não sabe se a morbidez é benigna – que só maltrata e não mata – ou contém malignidade.

Se for benigna, ainda resta saber se crônica ou aguda: Se tortura lentamente ou dói tudo de uma vez.

Diagnóstico acertado também não é garantia, pois tem muita cura em falta na medicina hoje em dia. E o marketing da saúde, quando faz o lançamento de uma nova terapia, logo inventa nova síndrome, que conduz ao consultório nova leva de pacientes que se tornam portadores

de um novo mal incurável, mas que pode ser tratado, permitindo ao pobre diabo viver quase normalmente, se tomar alguns cuidados e a sua ração diária dos remédios receitados, de uso restrito e continuado.

A doença leva dor ao doente e seu entorno, que sofre, por empatia, de perda súbita ou dó. Tem doença de varejo, que pega uma só pessoa. E tem outras, de atacado, que logo vão produzindo estatísticas sinistras que adornam o noticiário.

Tem distúrbio bem discreto, que causa uma dor secreta. E tem os escandalosos, que, mais que ser dolorosos, maltratam a criatura exibindo-lhe a figura em situação humilhante, enquanto não chega o dia de levá-la à sepultura.

Ter doenças ninguém quer, mas ninguém delas escapa, seja homem ou mulher. E o que mata um vivente, para outro não é nada. Uns curam-se do incurável, outros partem desta vida por um simples resfriado.

Os tratamentos variam conforme a fé do coitado. Uns creem na medicina, outros dela desconfiam. Uns querem curar o corpo e outros, desencantados, procuram, resignados, tratamento paliativo ou terapia que ajude seu espírito cansado a resistir bravamente ante a tortura cruel, sem esperança de cura.

Seja qual for a doença, desconforto ou agonia, isso é coisa de nascença, que se aprende desde cedo a suportar todo dia. A cura definitiva, a remissão radical, por mais estranho que seja, é algo que ninguém quer. Todos temem essa hora, o doente em agonia implora por mais um dia vivendo na enfermaria. Preferem a recidiva que a alta definitiva: ter seu óbito atestado e registrado em cartório.

Mas raciocine comigo, colega de enfermaria: Se o corpo vive doente, entra e sai do hospital, então livrar-se do corpo será saúde, afinal? Será, viver neste mundo, necessário tratamento para males mais profundos? Estaremos, talvez, (− Quem diria!) numa grande enfermaria, onde uns tomam remédio, outros fazem cirurgia, alguns inspiram cuidados e outros, mais agravados, vivem presos a aparelhos, monitorados de perto pela equipe do plantão?

Não sei, nem devo saber se isto faz algum sentido. Cada um sabe de si e do texto sabe o leitor. Mas veja se não ocorre muita gente ser curada de morbidezas da alma quando sente a morte perto, rondando-lhe a cabeceira? Ou quando a dor lancinante trespassa o seu organismo?

Não lhe parece também que algumas chagas da alma cicatrizam quando o corpo em chagas se desmilingue? Ou que algumas pessoas melhoram sensivelmente enquanto o corpo adoece?

Mas nem sempre isso acontece, eu concordo com o leitor. Tem quem sofre e não aprende e o que aprende sem sofrer. Sucede que se esta vida for mesmo um grande hospital, terapias alternativas devem estar disponíveis. Que se trate como quer, do jeito que lhe aprouver.

Concordo que algumas vezes a gente não tem escolha, mas será que nesses casos a escolha foi sendo feita aos poucos, devagarinho, assim definindo o caminho que conduz à enfermaria?

Peço, releve o leitor assunto tão enfermiço, inda mais numa hora destas, em cima do fim do ano, quando todos fazem planos e formulam seus desejos de saúde e coisas boas.

É que hoje estou sorumbático, talvez um tanto apreensivo, pensando que estar no mundo deve ter algum motivo.

Mas saibam que neste corpo, mesmo que meio imperfeito, meu coração bate forte, em código Morse afetivo, mensagens esperançosas de quem busca nas palavras a cura da minha alma, palmo a palmo com a sua, nesta drágea de poesia.

AC- Sampa, 31/12/12.


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