terça-feira, 19 de outubro de 2021

A Ouvidoria e a LGPD

Existe evidente paralelismo entre a LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – e o CDC – Código de Defesa do Consumidor, posto que se trata de leis voltadas à defesa dos interesses do cliente/cidadão, em suas relações com as empresas e outras organizações, bem como os prestadores individuais, com os quais mantém relações de consumo, ou, no caso da LGPD, de qualquer natureza, desde que envolvam o manuseio, a guarda e a utilização de seus dados pessoais.

Toda mobilização das áreas de governança, TI, marketing, comercial e demais setores envolvidos no registro, manuseio, arquivamento, guarda e destruição desses dados, deve ter foco prioritário na privacidade pessoal, é o que determina a LGPD. Ao fazê-lo, coloca a legislação brasileira em sintonia com os regramentos recentemente estabelecidos ao redor do mundo, motivados pelos usos indevidos e vazamentos que se tornaram corriqueiros em tempos de internet e globalização.

Ora, quem é o representante do cidadão e defensor dos interesses do cliente dentro organização? O ombudsman, ou ouvidor. Ele será, portanto, figura indispensável a integrar o Comitê gestor de proteção de dados pessoais, ou que outro nome se atribua ao referido comitê, como parte da força tarefa criada para promover a adequação da empresa/instituição às novas regras da LGPD, que nada mais é do que definir e assegurar a adoção de boas práticas de governança corporativa, no tocante à preservação dos dados dos clientes, parceiros e fornecedores.

Para muitos gestores, essa adequação dos processos para atender à LGPD é assunto a ser tratado pelo departamento jurídico em conjunto com a gerência de TI, o que caracteriza uma visão reduzida do quadro, pois a competência da área de TI nessa questão limita-se a desenhar e instrumentalizar os processos e procedimentos voltados à segurança (uso e integridade dos dados), e compete ao jurídico o entendimento das determinações legais no que se aplicar às atividades da organização. Existem outras demandas inerentes ao processo, que são da esfera da ouvidoria, tais como a defesa dos interesses do cliente, do cidadão e da sociedade; a definição de políticas para comunicação e relacionamento externo da organização, a interface com clientes e usuários no caso de ocorrer alguma falha ou insatisfação e a finalidade objetiva de reduzir a exposição a litígio.

Na ocorrência de um vazamento de dados, caberá à ouvidoria o dever de comunicar aos consumidores envolvidos, à opinião pública e às autoridades competentes, a começar pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), tendo em mãos os relatórios produzidos pela área de TI, conforme os protocolos previamente estabelecidos. No caso de denúncia ou demanda judicial originada por um consumidor ou grupo de consumidores, caberá à ouvidoria buscar o diálogo conciliador, a fim de construir solução consensual, ficando o departamento jurídico como último recurso.

Outra função da ouvidoria, além de inspirar a política de relações internas e externas da organização, é propor aprimoramentos em todas as áreas de atividade, aproveitando as oportunidades de melhoria identificadas nas áreas de relacionamento da empresa com os clientes/usuários e o público externo em geral – órgãos de imprensa e mídias sociais incluídos. Para cumprir esse papel é essencial que a ouvidoria tenha acesso detalhado a eventuais incidentes relativos à LGPD.

Por todos esses motivos, para citar apenas os mais importantes, a ouvidoria deve estar no centro do processo de ajuste da corporação às exigências da LGPD, de modo a assegurar que se atenda não somente às exigências legais, mas também, e principalmente, ao espírito da lei, que é a preservação e defesa dos interesses do cidadão, em seu papel de consumidor.

Alberto Centurião

albertocenturiao.blogspot.com.br

Autor do livro “Ombudsman – A face da empresa cidadã”, Editora Educator.