Teatro é linguagem. Poderosa,
com alto poder de síntese, rica de possibilidades estéticas e capaz de
proporcionar impacto múltiplo e diversificado. Como toda linguagem, o Teatro
tem gramática e vocabulário próprios e serve para comunicar qualquer conteúdo.
Não existem temas impossíveis
para o teatro, assim como não existe uma temática preferencial. Política,
religião, ciência, filosofia, ética, moral, o ridículo e as paixões humanas, o
direito e a força, as razões pessoais e as razões de estado, a paz e a guerra,
assuntos íntimos e públicos, individuais e coletivos, vêm sendo matéria do
teatro há mais de dois mil e quinhentos anos.
Teatro é linguagem, assim como
toda forma de expressão, artística ou não. Linguagem com códigos próprios, gramática
própria e vocabulário específico, que se apropria do vocabulário de
outras linguagens, utilizando-o dentro das suas próprias regras gramaticais.
Por vocabulário, entendemos todos os elementos significantes (as palavras)
de qualquer linguagem. Por exemplo a cor para a pintura, os movimentos
para a dança, o espaço para a arquitetura etc.
Algumas características desta
linguagem, entretanto, fazem dela um instrumento particularmente poderoso
quando aplicado a qualquer programa educativo e, por extensão, de treinamento.
1.
Assistir a uma
peça de teatro, ou participar da ação dramática, é uma experiência diversa e
diversificada. Diversa, porque foge ao padrão de vivência habitual, quotidiano.
Diversificada, porque essa experiência expõe o indivíduo a um bombardeio de
estímulos múltiplos e intensos, que raramente encontra em outras situações.
A atitude do
indivíduo diante de uma peça, portanto, é de alerta. O nível de expectativa é
sensivelmente mais alto do que o suscitado por qualquer atividade de
treinamento convencional. O indivíduo tende a se manter num estado de
prontidão, atento ao jogo, participando dele através da identificação,
interagindo com os atores-personagens, seja ostensivamente, seja no silêncio de
sua consciência e de suas emoções.
O teatro gera um fato
novo, uma quebra da rotina, que, aliada à diversão, potencializa o evento de
treinamento, emprestando-lhe significado transcendente.
2.
A possibilidade
de apresentar cenas onde as situações se realizam, com as diversas personagens
defendendo seus pontos de vista, proporciona ao teatro instrumentos muito
eficazes para transmitir informação logicamente estruturada e desenvolver
conceitos e idéias. O conflito, a analogia e a identificação são os principais
recursos desse instrumental lógico.
Nada mais eficaz para explicar e
demonstrar alguma idéia, do que fazer a coisa acontecer diante das
pessoas. Observar a situação ocorrendo, presenciar o debate entre os pontos de
vista conflitantes, conhecer cada uma das partes envolvidas e ter a
oportunidade de identificar-se com elas, entendendo melhor os seus motivos e
linhas de raciocínio, os valores e os sentimentos envolvidos. O teatro tem
recursos ideais para proporcionar essa experiência.
A identificação despertada
pela experiência teatral cria empatia com as personagens da cena e com
as situações retratadas. Esta empatia gera aceitação e envolvimento com os
conteúdos trabalhados, que são assimilados ao nível das emoções, além da razão.
Apresentar uma idéia, ou uma
informação, vista por diferentes focos, por diferentes pessoas; fazer com ela
ensaios e simulações, mergulhar nos sentimentos pessoais que desperta, esse é
um milagre que o teatro pode realizar.
3.
O potencial
emotivo é maior do que em outras linguagens. A informação no teatro não é fria.
Todo conteúdo veiculado através da cena viaja impregnado de emoção. Não se
dissocia razão de emoção. Essa característica contribui para a superação de
barreiras (defesas) emocionais e resistências psicológicas, ou mesmo
ideológicas, aos temas tratados.
Através do
jogo de identificação, o indivíduo se envolve emocionalmente, despojando-se de
medos e preconceitos. A partir daí, feito uma criança, está disponível para a
experiência.
Entretanto, assim como
a criança em seu jogo de faz-de-conta não perde a noção crítica das coisas, o
espectador do teatro também permanece na posse de toda a sua capacidade
intelectual, aguçada pelo alto nível de atenção. A visão crítica é preservada
no teatro.
4.
A experiência
estética é significativa. A cena é objeto de fruir estético. A beleza está
presente no teatro, proporcionando um nível adicional de satisfação ao
espectador.
Bertolt Brecht, o mestre do
teatro didático, autor de tantas peças didáticas, de propaganda ideológica,
afirmou certa vez que “a função social do teatro é divertir”. Antes de
tudo, teatro é diversão, prazer. Assistir a uma peça é participar de um jogo
prazeroso. E, divertindo, o teatro tem acesso irrestrito ao indivíduo.
Lembrando a definição de
Stanislavski, que condiciona o teatro a “forma artística”, concluímos
que o fruir estético, mais do que um valor agregado, é via de acesso do teatro
ao espectador. A expressão “assistir a uma peça” refere-se ao prazer de presenciar
algo que vale a pena ser visto (e ouvido, e sentido).
Buscar uma forma artística
não empresta por si só o status de obra de arte a qualquer representação
teatral. Da mesma forma que nem toda pintura é arte, nem toda peça de teatro
merece tal status. Muitas peças de teatro não alcançam a transcendência criativa
e o nível de realização que caracterizam as obras de arte. Considero-as, com
todo o respeito, peças de artesanato. Isso nada tem a ver, entretanto, com a
temática e os objetivos da peça. Voltaremos ao assunto quando tratarmos do
velho cisma entre arte pura e arte utilitária.
5.
Ao atingir o
espectador em três níveis - racional, emocional e estético, o teatro é capaz de
gerar um registro muito mais consistente na sua memória. Esquece-se de um
filme, um livro, um vídeo, uma aula. Mas não se esquece de uma peça de teatro.
Mesmo quando não apreciada especialmente, uma peça de teatro é inesquecível.
Certa vez, interrogado sobre o
motivo por que se dedicava prioritariamente ao teatro e tão pouco ao cinema e à
televisão, o ator Paulo Autran respondeu: “Porque eu me lembro de uma
peça de teatro que assisti há dez anos e não me lembro de um filme que assisti
há um ano, ou de um programa de televisão que assisti há uma semana”.
Esta é uma característica do
teatro: atingir em profundidade o espectador, criando uma experiência
inesquecível. Transferido para um programa de treinamento, este fato resulta em
alto índice de assimilação e retenção do conteúdo enfocado.
Faça uma rápida consulta à sua
memória. Que peças você assistiu? Lembra-se de todas? Recorda-se de muitos detalhes?
Peças assistidas há muitos anos estão obturadas à sua memória? Emoções são
despertadas só de lembrar certa cena? Receio que sim.
E dos livros que leu, lembra-se
de todos, ou da maioria deles? Receio que não.
Filmes? Provavelmente, menos
ainda. Televisão? Quando? Na semana passada? Quem? Eu? Onde está Wally?
6.
O poder de
síntese da linguagem cênica é muito superior ao de outras linguagens. Ao lançar
mão dos recursos expressivos (vocabulário) de todas as outras artes -
literatura, pintura, escultura, música, dança, arquitetura - e incorporando
ainda as novas tecnologias - projeção bi e tridimensional, iluminação, efeitos
luminosos, sonoros e mecânicos - o teatro apodera-se de um vocabulário
extremamente poderoso e adquire surpreendente poder de síntese, que permite a
expressão de extenso conteúdo informativo em poucos minutos de cena.
Ao agregar elementos das outras
artes, o Teatro atinge o espectador em três níveis, pois uma peça é algo para
ser visto, ouvido e sentido. Como dizem os estudiosos de Programação
Neurolingüística, trata-se de uma experiência total, que atinge o indivíduo
pelos canais visual, auditivo e cinestésico (sensorial e
intuitivo). Isto permite ao teatro comunicar, em curto espaço de tempo, um
grande volume de informações. Dessa forma, uma peça de teatro equivale, em
conteúdo, a pelo menos dez vezes mais tempo de treinamento convencional, com
técnicas expositivas e vivenciais.
7.
A presença do ser
humano vivo em cena é o maior diferencial do teatro em relação ao cinema e ao
vídeo, formas cênicas projetadas. As formas projetadas, bi ou tridimensionais,
são frias, hipnóticas e, com exceção das transmissões ao vivo, previamente
acabadas. A cena teatral é viva. O instante da criação é presenciado,
proporcionando a experiência compartilhada entre ator e espectador, que se
encontram num mesmo local, no mesmo instante.
A relação interpessoal é possível
no teatro. Stanislavski fala de “romper a quarta parede”,
estabelecendo-se o intercâmbio de energias psíquicas entre palco e platéia.
Mesmo numa vídeo-conferência, a interação é restrita e não tem o potencial de
integração proporcionado pelo teatro.
8.
Mesmo quando
elaborado previamente, o teatro sempre tem um componente improvisacional,
abrindo-se para o inesperado. Não existem duas apresentações exatamente iguais
de uma mesma peça. Improvisos e adaptações sempre são possíveis. Mais que isso,
porém, a própria relação dos atores com os espectadores muda a cada sessão,
pois se trata de uma troca emotiva e energética que depende das duas partes e
do momento compartilhado. Esta abertura para o inesperado é um dos maiores
encantos do teatro, constituindo-se em fator de atenção, interesse e registro
mnemônico.
O filme, o
vídeo, o quadro, a escultura, a música gravada, são obras concluídas, acabadas.
Repetido mil vezes, um filme será sempre igual, salvo algum dano material ou
acidente de projeção. No teatro, a repetição nunca será igual. Nisto reside
parte do encantamento desta arte efêmera, que se perpetua em quem compartilhou
o momento da criação.
9.
Fazendo-se uma
análise de custo x benefício de um espetáculo como evento de
treinamento, pode-se verificar que o custo per capita é relativamente
baixo. Isso porque uma apresentação teatral pode ser assistida por muito mais
pessoas do que um treinamento convencional, sem perda de qualidade na
assimilação. Além disso, por ser de curta duração, esta forma de treinamento
terá impacto reduzido sobre a rotina de trabalho da empresa.
Alberto Centurião (HTTP://albertocenturiao.blogspot.com.br
– albertocenturiao@gmail.com)
É
consultor, autor e diretor de Teatro-treinamento. Dramaturgo, encenador
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